domingo, 10 de abril de 2011

A guerra das rosas

Olho as rosas entremeadas na estaca de madeira fincada na terra. Acho que as ouvi suspirar. As vermelhas são mesmo as mais dengosas. Eu saio da cozinha pela porta que dá pra fora e caminho até as rosas. Pergunto, estava eu errado em ouvi-las suspirando? Não, elas respondem, estávamos mesmo enfadadas. Reviro os olhos e penso o que estariam fazendo as margaridas, elas são tão menos esnobes. E porque vocês estão se sentindo assim, eu pergunto, como bom ouvinte que sou. Queríamos ser brancas, agora, cansamos de ser vermelhas, responderam.

Ah, sim, bom não sei o que penso: pode ser uma crise verdadeira, sabe-se lá os motivos de rosas. Sou todo seu, me digam, rosas, por que se sentem tão dengosas? Não lhes cuido bem, sem maltratá-las?

Sim, nada contigo tem a ver, queremos só ser novas. Queríamos ser brancas agora. Cansamos do falso brilho e da angústia de ser sempre rosas. Leituras de rosas, são sempre tão desgostosas. Sentimo-nos como as damas-da-noite, que de tão aparecidas, acham que são damas do vento, enchendo o ar de todos de adocicada maresia. 

Comparam-se às damas do vento escuro como se comparam os rios aos lagos, diminuindo-se em fôrma menor e menos móvel, sejam do jeito que são, que de tanto mudar, têm tantas formas. Acham que violetas queriam ser mais que pretas de tanto roxas, ou que anseiam os cravos por serem mais deleitosos? Até parece que os jasmins são menos que vocês, todas aqui são iguais. Não, dizem, somos menos até.

Vê tu que comparam-se à Trindade, rainhas e reis, dizendo-se tristes em, juntos, serem afinal só dois, não três? Não, não vês. É melhor, dizem, deixar-nos em guerra do que entremear-se junto e perder o suporte da estaca da terra.

 

Kidá rimbalá dauê meréiaus

Te encanto ser sempre rei e sempre sentir-se empregado:
Só prenso borboletas na mão fechada quando tento pegá-las ainda abertas, sentir teu vôo indo embora, deixá-las tocar minha pele só pra pegar emprestado tão delicada sutileza, fantasia em duas asas, todas coloridas de querer desejo.

Um sonho que tive, sempre guardei de te contar, peço agora que ouça, pois é silencioso poema. Quer ouvir contar história que deitou gramados verdes, comeu tamarindos e banquetes com frutas tropicais e geléias, carnes de aves galantes, cujas coloridas e brilhantes penas inda sedosas decoram tapetes e almofadas junto às mesas? Nessas sentava-se alguém, pernas cruzadas e mão-de-travesseiro que ocupava-se em descansar o belo rosto convencendo-se em silêncio, iluminado no lilás. 

Esse alguém, eu sabia, como sempre se sabe num sonho, justamente quem era ele. Era o alguém que nunca tem nome e o rosto sempre troca. É o alguém que eu espero, esperanço que, pudera, voltasse pra mim sem nunca partir. Despede de mim pra não mais ir, fica comigo sem me conhecer. Mas não vá sem decidir por querer me amar, leva pra mim quando me encontrar, teu coração que eu já morro de medo de sonhar.

Chego junto às rosas, suspiram. Penso eu, que mal? Dizem estar enfadadas a mim, não queremos mais ser vermelhas, cansamos dessa cor. Queremos ser brancas, agora. Digo, por que escolhem essa hora? Já passou do tempo, dizem, primavera já se foi, e com ela as outras flores que nos animavam ser vermelhas; em comparação com as violetas, as margaridas e os nenúfares e as coloridas borboletas, contrastávamos em uníssono, perfeitas. Agora que já é tudo inverno, nos sentimos no inferno chamando toda a atenção. Por isso, queremos agora ser brancas e iluminadas e claras. Mas não para atrair todos os colibris ou mais os raios do Sol, só por querermos passar despercebidas. Ora, nós não somos margaridas.

Mas são rosas, eu digo, por que querem ser inseguras? Pois isso é coisa que inventam, são belas, eu digo, e ponto. Mas será possível, que as rosas centralizadas no jardim, justamente para brilharem e descansar o olhar do anjo pétreo de asas, sintam-se tão desconvencidas de sua própria beleza. Quase reviro os olhos e penso onde estariam as margaridas, nunca reclamariam do que têm, pois têm muito mais que muito alguém.

As estrelas d'alva até, inclusive os jasmins e os lírios, juntam-se aos jacintos e às rosas pra perdurar o perfume da noite. Mas invejam as primeiras as rosas, por serem brancas e estelares. E querem tanto as rosas, passarem despercebidas como os brilhos no céu e no vento.

Se-ren (a)-di (s)-p (o)(s)-i-s(ão)empre

Não sei o que é amor. Sei que estou sentindo alguma coisa, mas não sei o que. Será que pode ser amor, eu me pergunto. Mas por quem, que ninguém tem na minha vida, eu me indigno. Sem saber por que, eu me resigno, cansei de procurar amor onde não tem. Será, será que é, é amor? 

Antes eu soubesse, o que faz as rosas cantar minha prosa. Eu olho as marés azuis e não entendo se vêm, se vão. Pra agonia minha ser tremenda, antes ausentasse eu um coração. Mas logo quando vejo o meu peito, onde bate meu coração em cambalhota, penso justamente em quem falo e receio não pensar em mim de volta. Canso-me dessa filosofia venenosa. Paro de me perguntar e contemplo, que as rosas lá de fora querem luz, pena ser o Sol lembrado apenas, pois é noite. As outras flores ficam bem pois não são rosas, e se fazem ser pensadas de outras formas, em perfume. E nem precisam, pois de dia, essa ficam bonitas por mais tempo, e até sem lume.

A flecha de Patós me fere e firma, dentro em mim, no peito, a flor. Tolo eu que a recebo, sem nem prestar atenção no ataque da seta de fincar tristeza. Essa flor, que desfolha lentamente, até eu me apaixonar desfolha. E sem despeito o menino pega e olha. Ele tem asa, então olha de cima, pra baixo pra mim eu que, desatento espero: sou flechado pelo anjo. Não queria não lembrar dos todos anos que passaram feito década. Foram bons, mas esqueço facilmente dos tempos nos que eu não amava. Prefiro as fantasias do que eu mas podia, que almejar sempre confuso o incansável, inatingível tempo vindouro. Ah, essas lembranças do que acontece agora são fadadas em ouro, brilham luz às borboletas, que me espantam o mau agouro.

A flecha de Patós, com a flor-de-tolos roxa que provoca, em mim traz paixão tremenda que cresce da chama de querer que fere. Ó, belas coisas torpes que de torpes têm beleza, trazei de novo a mim o que queria, faz do olhar cansado, o meu primeiro. 

Sou quieto aqui e antes que eu possa, joga a flecha em mim o anjo descompromissado, sou de novo envenenado e meu coração periga de amar.

Uso o escudo, um desses simbólicos, que me queria são. As flechas novas eu aparo. E de um pouco mais de amor meu coração reparo. Arranco algumas que impedi e as envio de volta, e assim do anjo a minha vingança merecida eu merendo. Enlaça-as juntas antes de atingi-lo, o anjo, como se já antes as vendo, presumisse que o fossem ferir, e por sua vez me as joga de volta. Agora troco eu de sentimento, passo a sentir sofrimento em vez de amor.

No jardim que eu mesmo invento há sete rosas. São essas mesmo as sete que à cada cor do arco-celeste remete o tom. Mas no inverno, quando obrigam-se de entreter Perséfone, as flores se vão, sobram só minhas sete rosas, pois existem sem paixão. E já que não sofrem, não amam e por isso mesmo não existem, lembram-me as rosas de amar, como exemplo de nunca contentar. Pego na minha mão uma rosa, colho-a com paciência e carinho, completo uma fase a cada uma, vou de vermelho a dourado, e de botão à rosa branca, em suma. 

Flor dourada que me desfolha, dói em mim uma paixão, eu acho que é por causa de ti, minha pista é que és invenção. Isso já me diz tanta coisa, creio que por nada eu amo, só vou-me freqüentar a tristeza, pois lá nada se vê, e preciso descansar meus olhos. Mas já volto, amor, pois se descanso, estou pronto pra outra rodada, dessa vez que me venha o amor logo. 

Pássaro de raio sobrevoa o mar anil que volve em ondas, rouba-me do meu sonho fantástico e me leva mais longe. Passemos pelos navios náufragos, quebradiços no mar que os flutua. Ilude minha memória, faz pensar que sou antigo e que existo há muito tempo. E todo esse tempo eu passei nas tuas costas, releva minha língua, diz que eu falo outra. Cantemos nessa língua, que tem palavras doces e escorrem da boca como se fossem os lilases desejos de se expressar. Esqueço dos pensamentos de muitas matizes que me inspirou o arco-iridescente, passamos de lá, eu e o pássaro, e chegamos na ilha dos sedosos brancos lírios. Lá, eu me lembro, me pousou no dorso do grifo, que me levou em sua velocidade leonina, durante toda sua ascendência aquilina de ave impetuosa de rapina até a cidade abandonada ao ocaso laranja e dourado pra viciar-se em acasos gris. 

Agora é finda, é passado o reino da flor de desfolhar tristeza, eu mais não amo. É bom o ânimo de achar que é infindável a dor, mas refresca-se mais a alegria, se desistimos de querer sofrer amor. Goza o amor, uma vez que me disse o pássaro, que me levou ao grifo dúbio; não sabia se me deixava no jardim sereno, onde rodopiam pra sempre as pétalas turquesa-azuis. Não queria afastar-me do pomar de frutas dos trópicos, cheirosas, tenras e venenosas, come uma, contou-me a águia, minha guia, que tu morres por amor, e troca tua vida por não morrer em luta. 

Isso me faz querer vontade de amar. Isso me lembra o cisne que olhou no lago o reflexo, lá na outra borda, dos lilases e sorriu. Ele pensou, que feliz esse encontro, de olho, luz e lilás. Que acaso feliz dos mais esperados.