segunda-feira, 25 de julho de 2011

Retrato de um célebre


Daí eu iria ter muita adulação também, comentários elogiosos completamente desnecessários relativos ao meu óbvio talento com o que fosse. Por que se tivesse tais caprichos e mimos, seria uma celebridade, de fato. Fama, muita atenção e poder interminável vindo dos enfoques da mídia que perceberia o possível lucro que teria com a veiculação constante de minha imagem e a associação de marcas e selos famosíssimos com o meu nome.

Eu seria chamado pra cortar fitas em inaugurações de lojas de doces, tirar fotos com o prefeito que de repente decidiu presentear-me com a chave da cidade, logo eu; e convidado a quebrar champanhes nos cascos de navios em partida, para dar sorte aos navegantes. Minha gravadora assinaria contratos longevos com estúdios europeus e latino-americanos interessados no meu poder de formação de opinião a partir de meios artístico-estéticos.

Em hotéis, seria servido desde cedo nos dias de turnê em bandejas de prata decoradas com penas de pássaros exóticos expondo frutas, pães doces e croissants, madeleines e canelles e sucos separados por cor pra acompanhar. Eu teria tudo. Também haveria de ter muita coisa em falta, estando bem pressuposto que estivesse vivo, é de se esperar que houvesse coisas em falta. Logo depois de dar-me conta que tinha tudo, minhas necessidades atendidas, meus sentidos comprazidos, meus desejos fomentados; eu iria logo, logo começar a achar que meu querer fazia questão de algo mais, algo desconhecido por mim no meu estado de confusão sentimental, pobreza cultural/espiritual, baixa auto-estima e consumação errática.

Quando eu não pudesse dá-lo razão e falhasse em atendê-lo, eu entraria num vago torpor seguido de marasmo ocasional e algumas faltas de ar conciliadas com tremores, pois, afinal, eu não saberia a causa de minhas angústias e o motivo de meu querer impossível. Dado que nada nesse mundo é impossível, apenas passível de uma análise por um outro ponto de vista, eu faria terapia. Algumas sessões depois eu descobriria junto com o meu analista sabe-tudo que eu desloquei alguma vontade provavelmente advinda de alguma frustração sexual para o âmbito de qualquer outra esfera vivente e mental que suplantasse minhas necessidades de descargo energético.

Eu sentiria uma inclinação saudável influenciando-me, provavelmente aliada a um medo de quase tudo, a vida e pessoas. Equilíbrio é a chave, eu pensaria. Concluiria que eu sou passível de morrer e que não sou invencível, minha juventude seria confundida por velhice pois não sairia de casa e minha zona de conforto se limitaria ao meu corpo. Minha nova vulnerabilidade me faria comer de madrugada e começar a fumar para aliviar meu quadro de ansiedade crônica.

Depois de 1 ano e meio de análise eu estaria curado com muitas histórias pra contar, mais humanizado e isso refletiria nas minhas canções, já que sempre fui um cantor auto-biográfico. Parei de fumar, engordei um pouquinho, mas depois fiz academia.


 

quinta-feira, 21 de julho de 2011

As badaladas dos sinos explicadas



  Houve um som, as batidas do sino, ele sai correndo pra pegá-los no ar,  são padrões repetidos de badaladas em notas harmônicas que comprazem os sentidos. Quanto menores os sinos, mais agudos os badalares e vice-versa, ficam altos na torre por que quanto mais altos, mais eficaz é a propagação de seus sons no ar.  

Ele tem essa mania de racionalizar as coisas, tirá-las da magia que as fazem mistério e um tanto mais agradáveis de se experienciar e imerge-as numa série de pensamentos lógicos que as trazem para a escuridão da memória. Grava na mentalidade um conceito que parte de uma convenção, em si aleatória, e chega num lugar tão convencional quanto o que partiu.

 Ele é insuportável, corrói toda a graça, explica os fenômenos. Quer só mostrar-se a quem estiver perto; tem um pavão enjaulado onde deveria correr solto um tigre, ou uma pantera, seja qual for o animal simbólico representativo de sua personalidade.

Um verdadeiro homem, honesto com seus princípios, faria o mesmo que ele faz, só que para si mesmo. Muito mais agrada a sociedade de um homem que não denota sentidos ou faz julgamentos sobre o que não sabe e não pode saber. Mas todos têm seus problemas a resolver e ele sente que logo vai mudar e ser uma pessoa mais interessante aos outros, e a si mesmo, pois isso o incomoda, claro. Nunca se mudaria por conta dos outros, só se ele mesmo visse necessidade ou quisesse experimentar novos estados de ser, ele acha.

Uma vez então decidiu transformar-se por completo. Soltar aquele pavão ou qualquer outro animal exótico que ali residisse e respirar mais levemente. Despreocupar-se. Pois essa explicação de tudo não passava de preocupação, ansiedade; senão, por que se preocuparia em saber como tudo se resolvia de antemão, para diminuir seu sofrimento? a não ser que suas vontades não passassem ignoradas em vista de seus hábitos, nada seria mudado. Mas não era o caso.

O irônico era que com esse controle forjado das coisas acabava sofrendo muito mais. O que apenas mostrava que se quisesse ter controle de qualquer coisa, tinha que se atentar ao fato de que nada nesse mundo controlava. As coisas acontecem, e nós apenas temos alguns fatores de mudança sobre elas. Descobrir qual e por onde é nosso objetivo aqui? Sei lá, só sei que foi por aí que ele me contou. Mais ou menos.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Bosque ajardinado


 Descobri como é, eu acho. Amar, eu digo. São como andar em linha fina e bastão em mão, as tentativas de sentir-se assim com alguém. Eu já na porta da solidão – o jardim que na verdade chamam de bosque, mas de fato não o é – que tem um portão, esse bosque, que nos leva pra sensação clara de ver a Lua no chão, descolorindo as flores, a grama e as trepadeiras e estátuas. A Lua não descolore a fonte por que cresce uma frondosa árvore de frutas da cor do sol-se-pondo perto dela, protegendo-a da iluminação que esmaeceria, não fosse assim, a morada da rosa. Pois tem uma rosa de pedra na fonte, lá jorra a água dourada.

  O nome desse bosque, solidão, vem de um anjo. O bosque em si vem da cantiga de ninar e as pedrinhas de brilhantes, vindas duma cidade de nome engraçado, que levam à clareira, o paraíso das flores. Pendentes de todo o lado, as violetas, as rosas, as amarelas e açucenas e hibiscos e narcisos e dendrons aéreos; por trás, as folhas verde-esmeralda, como folhas são, abrilhantavam as flores perfumadas e cálidas, coloridas como as flores são. Essa é a morada da estátua, que se repousa sobre o pé no coríntio do pináculo da fonte; O olhar do anjo, que é de quebrar o queixo, frio, ele aquiesce toda falta, e passa a qualquer um a metade de um silêncio de inexprimível dolorido, o que discorda com o objetivo de uma flor.

  É preciso alguns poetas pra construir uma cidade, eles que dão nome às coisas, sabe? Foram chamados três pra nomear aquele bosque e as coisas dentro dele. Cada flor que nascia ali e não tivesse já um nome tinha de ser nomeada de acordo. Os parques, também, também as avenidas; as sebes, os arbustos e os lagos, as fontes, os palácios e as torres. Um exemplo é a flor que cresce no mato dali. Apenas cinco pétalas, brancas, finas: pentâmera. Outra é roxa listrada em vermelho, três pétalas: asserínea. Tem também as brumas, que são muitas e cobrem o chão; as palatinas, as dobra-sinos, beija-ventos e as francas. Minhas preferidas são as helvécias, branco e rubras, as torce-língua e as paraísos.

  Cravos e cravinas, ao lado, preferivelmente, das gloriosas e das frésias e estrelícias, ficariam aguardando a rosa de pedra que jorra brilho d'ouro sobre o que a chega perto. Nesse caso as pétalas dos lisiantos e não-te-esqueças-de-mim, lá nesse bosque, partilham do amor de uma mesma estrela d'alva. Perto delas, um lago de profundezas escuras num sopro de ventos bons, para além de inefáveis, embalava em ondas de azul às fantasias de cometas e constelações que se apaixonavam pelos que as olhassem e reparassem sua beleza com tranqüilidade; se apontassem, falando, ó, mas que belas as estrelas, brilham que nem eu queria suspirar, aí então elas te concederiam um desejo, pois são narcisistas ao extremo.

  É assim amar: sentar-se perto da relva, pensar em coisas vãs, despreocupar-se com o tempo, resvalar-se nas borboletas e contar libélulas e rãs. Olhar os planetas despontando na beira do fim do lago, vendo-o colorir-se do reflexo do céu, que sempre à essa hora engole o sol que queima as águas e as faz fremir e alaranjar.

  É assim, eu acho, o amor. Pois quanto o tem a solidão tem também na mesma dose a companhia. Ambas equilibram-se numa balança, as duas pesam o mesmo tanto de amor.