segunda-feira, 25 de julho de 2011

Retrato de um célebre


Daí eu iria ter muita adulação também, comentários elogiosos completamente desnecessários relativos ao meu óbvio talento com o que fosse. Por que se tivesse tais caprichos e mimos, seria uma celebridade, de fato. Fama, muita atenção e poder interminável vindo dos enfoques da mídia que perceberia o possível lucro que teria com a veiculação constante de minha imagem e a associação de marcas e selos famosíssimos com o meu nome.

Eu seria chamado pra cortar fitas em inaugurações de lojas de doces, tirar fotos com o prefeito que de repente decidiu presentear-me com a chave da cidade, logo eu; e convidado a quebrar champanhes nos cascos de navios em partida, para dar sorte aos navegantes. Minha gravadora assinaria contratos longevos com estúdios europeus e latino-americanos interessados no meu poder de formação de opinião a partir de meios artístico-estéticos.

Em hotéis, seria servido desde cedo nos dias de turnê em bandejas de prata decoradas com penas de pássaros exóticos expondo frutas, pães doces e croissants, madeleines e canelles e sucos separados por cor pra acompanhar. Eu teria tudo. Também haveria de ter muita coisa em falta, estando bem pressuposto que estivesse vivo, é de se esperar que houvesse coisas em falta. Logo depois de dar-me conta que tinha tudo, minhas necessidades atendidas, meus sentidos comprazidos, meus desejos fomentados; eu iria logo, logo começar a achar que meu querer fazia questão de algo mais, algo desconhecido por mim no meu estado de confusão sentimental, pobreza cultural/espiritual, baixa auto-estima e consumação errática.

Quando eu não pudesse dá-lo razão e falhasse em atendê-lo, eu entraria num vago torpor seguido de marasmo ocasional e algumas faltas de ar conciliadas com tremores, pois, afinal, eu não saberia a causa de minhas angústias e o motivo de meu querer impossível. Dado que nada nesse mundo é impossível, apenas passível de uma análise por um outro ponto de vista, eu faria terapia. Algumas sessões depois eu descobriria junto com o meu analista sabe-tudo que eu desloquei alguma vontade provavelmente advinda de alguma frustração sexual para o âmbito de qualquer outra esfera vivente e mental que suplantasse minhas necessidades de descargo energético.

Eu sentiria uma inclinação saudável influenciando-me, provavelmente aliada a um medo de quase tudo, a vida e pessoas. Equilíbrio é a chave, eu pensaria. Concluiria que eu sou passível de morrer e que não sou invencível, minha juventude seria confundida por velhice pois não sairia de casa e minha zona de conforto se limitaria ao meu corpo. Minha nova vulnerabilidade me faria comer de madrugada e começar a fumar para aliviar meu quadro de ansiedade crônica.

Depois de 1 ano e meio de análise eu estaria curado com muitas histórias pra contar, mais humanizado e isso refletiria nas minhas canções, já que sempre fui um cantor auto-biográfico. Parei de fumar, engordei um pouquinho, mas depois fiz academia.


 

quinta-feira, 21 de julho de 2011

As badaladas dos sinos explicadas



  Houve um som, as batidas do sino, ele sai correndo pra pegá-los no ar,  são padrões repetidos de badaladas em notas harmônicas que comprazem os sentidos. Quanto menores os sinos, mais agudos os badalares e vice-versa, ficam altos na torre por que quanto mais altos, mais eficaz é a propagação de seus sons no ar.  

Ele tem essa mania de racionalizar as coisas, tirá-las da magia que as fazem mistério e um tanto mais agradáveis de se experienciar e imerge-as numa série de pensamentos lógicos que as trazem para a escuridão da memória. Grava na mentalidade um conceito que parte de uma convenção, em si aleatória, e chega num lugar tão convencional quanto o que partiu.

 Ele é insuportável, corrói toda a graça, explica os fenômenos. Quer só mostrar-se a quem estiver perto; tem um pavão enjaulado onde deveria correr solto um tigre, ou uma pantera, seja qual for o animal simbólico representativo de sua personalidade.

Um verdadeiro homem, honesto com seus princípios, faria o mesmo que ele faz, só que para si mesmo. Muito mais agrada a sociedade de um homem que não denota sentidos ou faz julgamentos sobre o que não sabe e não pode saber. Mas todos têm seus problemas a resolver e ele sente que logo vai mudar e ser uma pessoa mais interessante aos outros, e a si mesmo, pois isso o incomoda, claro. Nunca se mudaria por conta dos outros, só se ele mesmo visse necessidade ou quisesse experimentar novos estados de ser, ele acha.

Uma vez então decidiu transformar-se por completo. Soltar aquele pavão ou qualquer outro animal exótico que ali residisse e respirar mais levemente. Despreocupar-se. Pois essa explicação de tudo não passava de preocupação, ansiedade; senão, por que se preocuparia em saber como tudo se resolvia de antemão, para diminuir seu sofrimento? a não ser que suas vontades não passassem ignoradas em vista de seus hábitos, nada seria mudado. Mas não era o caso.

O irônico era que com esse controle forjado das coisas acabava sofrendo muito mais. O que apenas mostrava que se quisesse ter controle de qualquer coisa, tinha que se atentar ao fato de que nada nesse mundo controlava. As coisas acontecem, e nós apenas temos alguns fatores de mudança sobre elas. Descobrir qual e por onde é nosso objetivo aqui? Sei lá, só sei que foi por aí que ele me contou. Mais ou menos.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Bosque ajardinado


 Descobri como é, eu acho. Amar, eu digo. São como andar em linha fina e bastão em mão, as tentativas de sentir-se assim com alguém. Eu já na porta da solidão – o jardim que na verdade chamam de bosque, mas de fato não o é – que tem um portão, esse bosque, que nos leva pra sensação clara de ver a Lua no chão, descolorindo as flores, a grama e as trepadeiras e estátuas. A Lua não descolore a fonte por que cresce uma frondosa árvore de frutas da cor do sol-se-pondo perto dela, protegendo-a da iluminação que esmaeceria, não fosse assim, a morada da rosa. Pois tem uma rosa de pedra na fonte, lá jorra a água dourada.

  O nome desse bosque, solidão, vem de um anjo. O bosque em si vem da cantiga de ninar e as pedrinhas de brilhantes, vindas duma cidade de nome engraçado, que levam à clareira, o paraíso das flores. Pendentes de todo o lado, as violetas, as rosas, as amarelas e açucenas e hibiscos e narcisos e dendrons aéreos; por trás, as folhas verde-esmeralda, como folhas são, abrilhantavam as flores perfumadas e cálidas, coloridas como as flores são. Essa é a morada da estátua, que se repousa sobre o pé no coríntio do pináculo da fonte; O olhar do anjo, que é de quebrar o queixo, frio, ele aquiesce toda falta, e passa a qualquer um a metade de um silêncio de inexprimível dolorido, o que discorda com o objetivo de uma flor.

  É preciso alguns poetas pra construir uma cidade, eles que dão nome às coisas, sabe? Foram chamados três pra nomear aquele bosque e as coisas dentro dele. Cada flor que nascia ali e não tivesse já um nome tinha de ser nomeada de acordo. Os parques, também, também as avenidas; as sebes, os arbustos e os lagos, as fontes, os palácios e as torres. Um exemplo é a flor que cresce no mato dali. Apenas cinco pétalas, brancas, finas: pentâmera. Outra é roxa listrada em vermelho, três pétalas: asserínea. Tem também as brumas, que são muitas e cobrem o chão; as palatinas, as dobra-sinos, beija-ventos e as francas. Minhas preferidas são as helvécias, branco e rubras, as torce-língua e as paraísos.

  Cravos e cravinas, ao lado, preferivelmente, das gloriosas e das frésias e estrelícias, ficariam aguardando a rosa de pedra que jorra brilho d'ouro sobre o que a chega perto. Nesse caso as pétalas dos lisiantos e não-te-esqueças-de-mim, lá nesse bosque, partilham do amor de uma mesma estrela d'alva. Perto delas, um lago de profundezas escuras num sopro de ventos bons, para além de inefáveis, embalava em ondas de azul às fantasias de cometas e constelações que se apaixonavam pelos que as olhassem e reparassem sua beleza com tranqüilidade; se apontassem, falando, ó, mas que belas as estrelas, brilham que nem eu queria suspirar, aí então elas te concederiam um desejo, pois são narcisistas ao extremo.

  É assim amar: sentar-se perto da relva, pensar em coisas vãs, despreocupar-se com o tempo, resvalar-se nas borboletas e contar libélulas e rãs. Olhar os planetas despontando na beira do fim do lago, vendo-o colorir-se do reflexo do céu, que sempre à essa hora engole o sol que queima as águas e as faz fremir e alaranjar.

  É assim, eu acho, o amor. Pois quanto o tem a solidão tem também na mesma dose a companhia. Ambas equilibram-se numa balança, as duas pesam o mesmo tanto de amor.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Carta

Querido sempre-pensado,

Eu estava na ponta do deck. Vendo os arcos das pontes por onde passavam os navios e barcos, percebi que as luzes dos postes que delineavam a ponte refletiam-se na água escura, assim criavam-se faixas longas como que se adentrassem o lago e ficassem como feixes que um teto translúcido deixou passar.

A minha surpresa foi que, quando chegou a brisa à noitinha, trazendo lembranças das jardins floridos à beira-lago, e encrespou as águas do lago escuro com a Lua no fundo, as tiras de luz amarela refletidas no lago frisaram que nem fitinhas no vento calmo.

Como me veio alegria, Caio, de pensar em você dizendo que as curvas da cidade são por causa dos reflexos ondulados das luzes da cidade no lago. Que o museu é branco por que lembra metade da Lua, que os postes são enormes pra compensar os prédios baixos e imitar as palmeiras, que no parque a arena dá impressão de terraços quando se olha ao outro lado e se vê as plantas pendentes e verdes contra o cinza do concreto, tudo isso, notei pra ter o que te contar, mas sei que você já sabia.

Ali, no parque, os postes altos são flores, por que as luzes, viradas pra baixo, onde seriam as pétalas, abrem-se em coroas de três.

Pensando nessa carta, lá no deck, olhando o lago, fumava um cigarro em que batia com o dedo pro vento calmo levar as cinzas. Uma delas, pertinho dos meus olhos, tilintou como uma borboleta; se fossem dessa cor as borboletas, eu teria lhe contado que foi uma, não chega a ser mentira. Podia ser meia-verdade poética.

Estamos tão íntimos que já lhe sou honesto em meus desejos. Pois lhe contarei um, não por demais secreto, só pra começar em princípios. Instaurar um hábito saudável, que é a intimidade, começando lá na frente, não dá certo, eu acho. Por isso inicio com um desejo leve. Eu sempre quis andar de lancha. E você? Me conta um desejo seu, depois nos falamos, primo. Até a resposta. Seu amigo.

 


 

sábado, 14 de maio de 2011

Enchendo linguiça

Tão cansado de desfolhar tristeza, foi pintar poesia. Era uma mentira, mas pelo menos vivia com mais gosto.

Descabido mesmo é falar em língua morta, só pra que lhe entendessem os pássaros. Por que, pelo visto, não falam

Português. Flor roxa, nem lilás, amor é sacrifício. Isso lhe dizem o que não é, mas nunca o que talvez seja. O que acontece

É que não somos nós quem lhe diz, é teu coração. Tem metade das chances garantidas, mas quem há de garantir as faltantes,

Se teu propósito na vida é errar e se dar mal, assim, quem há de te dizer que te faz mal? Pode-se tentar, isso certeza que não mata,

Até a mais bela das sereias senta numa pedra envolta em mar. Mas quem há de dizer que sereias são as que lhe cantam ou as que lhe

Afogam na água? O único a fazer é tentar. O máximo da experiência é experimentar as consequências da morte, então prefira

Sempre o equilíbrio. Equilíbrio é só duvidar de vez em quando, deixar pra lá às vezes e vez em nunca preocupar-se. É uma arte

De não se importar, por que quando se vê que é importante, querem-no mais preocupado ainda.

CORAZÓN PARTIDO


Sonhos rosa imersos em sol áureo numa onda espumosa que vem e vai e um pirulito de pura escuridão. Isso não significa nada, mas se você pegar todas as palavras e juntá-las com uma mágoa recente, cada imagem resulta em lembrança.

Frases e parágrafos

As nuvens delineadas de vermelho-esfumaçado, o céu brilhante e aberto só em volta da lua minguante e as estrelas, que em pontinhos de luz faziam azular a clareira lunar. Só alguns olham pra lua e deixam escorrer nos olhos o orvalho pálido que entontece.

Os malabaristas, a tenda listrada sobre o picadeiro vermelho cobrindo-os do frio da noite, junto com as equilibristas de saias em tule verde, faziam graça do público mostrando-os a belíssima contorcionista, de collant chamativo, com as faixas do arco-íris; ela punha o pé na boca, na cabeça, torcia a perna envolta do braço.

Palhaços de sapatos divertidos em xadrez e estampas chamavam mais atenção que o mestre de cerimônias com seu colete bordado em rosa choque e de lapelas foscas em preto. O domador de leões, seu enorme bambolê de ferro estirado no ar, o chicote empunhado, encarava o animal enjaulado que se aprontava pra sair e pular o arco de fogo. 

A lua leitosa ainda lânguida atrás das nuvens agora acetinadas parecia quase cair, como se pendendo em alguma estrela. Os grafites dos trailers da trupe encantados de fantasia por fora, entulhavam uma casa inteira na parte interna. Alguém sentir-se-ia nos anos fora do tempo, desculpados de qualquer passagem que largue pra trás quaisquer minutos.

Os pisca-piscas do arco de lacinho iluminado da menina faziam parte da festa. Os anjinhos sentados nas cabeças dos adultos de bom coração, com as perninhas balançando dos lados dos pescoços dos pais animavam-se com as acrobacias. 

Vagalumes confundiam o arco da menininha por um enxame deles. As libélulas esperançosas dançavam a música sanfônica com borboletas coloridas, viçosas; ambas as espécies, confusas pelo cheiro da grama florida, em dúvida entre a flor-de-laranjeira e o narciso.
O toureiro de brincadeira, de bolero rosa-chá e brocado dourado, poupava o peito nu dos chifres de mentira do touro cênico.

Enquanto a princesa na torre, à boa vida, deixava correr o marfim, educadamente ignorando o primogênito do rei, lá embaixo.

Rodava o carrossel, girando a roda-gigante e os algodões-doces cor-de-rosa cheiravam a bala de açúcar. Ai eu só queria sonhar, encher a cabeça de ilhas solitárias e cheirar as flores soporadas. É bom que lembra-me a brisa e as correntes sopradas, daqueles mesmos anjinhos loiros. 

Sonolentos e soporíficos do meu ladinho, uns gatos. Os nomes deles, Meia-Noite, Serafim e Carioca. Um é negro e olhos verdes, o outro é listrado de laranja e branco e Carioca é iridescente, ele passeia no meu delírio brilhando entre o ultra-violeta e o infravermelho, nas frequências que desejar. 

domingo, 10 de abril de 2011

A guerra das rosas

Olho as rosas entremeadas na estaca de madeira fincada na terra. Acho que as ouvi suspirar. As vermelhas são mesmo as mais dengosas. Eu saio da cozinha pela porta que dá pra fora e caminho até as rosas. Pergunto, estava eu errado em ouvi-las suspirando? Não, elas respondem, estávamos mesmo enfadadas. Reviro os olhos e penso o que estariam fazendo as margaridas, elas são tão menos esnobes. E porque vocês estão se sentindo assim, eu pergunto, como bom ouvinte que sou. Queríamos ser brancas, agora, cansamos de ser vermelhas, responderam.

Ah, sim, bom não sei o que penso: pode ser uma crise verdadeira, sabe-se lá os motivos de rosas. Sou todo seu, me digam, rosas, por que se sentem tão dengosas? Não lhes cuido bem, sem maltratá-las?

Sim, nada contigo tem a ver, queremos só ser novas. Queríamos ser brancas agora. Cansamos do falso brilho e da angústia de ser sempre rosas. Leituras de rosas, são sempre tão desgostosas. Sentimo-nos como as damas-da-noite, que de tão aparecidas, acham que são damas do vento, enchendo o ar de todos de adocicada maresia. 

Comparam-se às damas do vento escuro como se comparam os rios aos lagos, diminuindo-se em fôrma menor e menos móvel, sejam do jeito que são, que de tanto mudar, têm tantas formas. Acham que violetas queriam ser mais que pretas de tanto roxas, ou que anseiam os cravos por serem mais deleitosos? Até parece que os jasmins são menos que vocês, todas aqui são iguais. Não, dizem, somos menos até.

Vê tu que comparam-se à Trindade, rainhas e reis, dizendo-se tristes em, juntos, serem afinal só dois, não três? Não, não vês. É melhor, dizem, deixar-nos em guerra do que entremear-se junto e perder o suporte da estaca da terra.

 

Kidá rimbalá dauê meréiaus

Te encanto ser sempre rei e sempre sentir-se empregado:
Só prenso borboletas na mão fechada quando tento pegá-las ainda abertas, sentir teu vôo indo embora, deixá-las tocar minha pele só pra pegar emprestado tão delicada sutileza, fantasia em duas asas, todas coloridas de querer desejo.

Um sonho que tive, sempre guardei de te contar, peço agora que ouça, pois é silencioso poema. Quer ouvir contar história que deitou gramados verdes, comeu tamarindos e banquetes com frutas tropicais e geléias, carnes de aves galantes, cujas coloridas e brilhantes penas inda sedosas decoram tapetes e almofadas junto às mesas? Nessas sentava-se alguém, pernas cruzadas e mão-de-travesseiro que ocupava-se em descansar o belo rosto convencendo-se em silêncio, iluminado no lilás. 

Esse alguém, eu sabia, como sempre se sabe num sonho, justamente quem era ele. Era o alguém que nunca tem nome e o rosto sempre troca. É o alguém que eu espero, esperanço que, pudera, voltasse pra mim sem nunca partir. Despede de mim pra não mais ir, fica comigo sem me conhecer. Mas não vá sem decidir por querer me amar, leva pra mim quando me encontrar, teu coração que eu já morro de medo de sonhar.

Chego junto às rosas, suspiram. Penso eu, que mal? Dizem estar enfadadas a mim, não queremos mais ser vermelhas, cansamos dessa cor. Queremos ser brancas, agora. Digo, por que escolhem essa hora? Já passou do tempo, dizem, primavera já se foi, e com ela as outras flores que nos animavam ser vermelhas; em comparação com as violetas, as margaridas e os nenúfares e as coloridas borboletas, contrastávamos em uníssono, perfeitas. Agora que já é tudo inverno, nos sentimos no inferno chamando toda a atenção. Por isso, queremos agora ser brancas e iluminadas e claras. Mas não para atrair todos os colibris ou mais os raios do Sol, só por querermos passar despercebidas. Ora, nós não somos margaridas.

Mas são rosas, eu digo, por que querem ser inseguras? Pois isso é coisa que inventam, são belas, eu digo, e ponto. Mas será possível, que as rosas centralizadas no jardim, justamente para brilharem e descansar o olhar do anjo pétreo de asas, sintam-se tão desconvencidas de sua própria beleza. Quase reviro os olhos e penso onde estariam as margaridas, nunca reclamariam do que têm, pois têm muito mais que muito alguém.

As estrelas d'alva até, inclusive os jasmins e os lírios, juntam-se aos jacintos e às rosas pra perdurar o perfume da noite. Mas invejam as primeiras as rosas, por serem brancas e estelares. E querem tanto as rosas, passarem despercebidas como os brilhos no céu e no vento.

Se-ren (a)-di (s)-p (o)(s)-i-s(ão)empre

Não sei o que é amor. Sei que estou sentindo alguma coisa, mas não sei o que. Será que pode ser amor, eu me pergunto. Mas por quem, que ninguém tem na minha vida, eu me indigno. Sem saber por que, eu me resigno, cansei de procurar amor onde não tem. Será, será que é, é amor? 

Antes eu soubesse, o que faz as rosas cantar minha prosa. Eu olho as marés azuis e não entendo se vêm, se vão. Pra agonia minha ser tremenda, antes ausentasse eu um coração. Mas logo quando vejo o meu peito, onde bate meu coração em cambalhota, penso justamente em quem falo e receio não pensar em mim de volta. Canso-me dessa filosofia venenosa. Paro de me perguntar e contemplo, que as rosas lá de fora querem luz, pena ser o Sol lembrado apenas, pois é noite. As outras flores ficam bem pois não são rosas, e se fazem ser pensadas de outras formas, em perfume. E nem precisam, pois de dia, essa ficam bonitas por mais tempo, e até sem lume.

A flecha de Patós me fere e firma, dentro em mim, no peito, a flor. Tolo eu que a recebo, sem nem prestar atenção no ataque da seta de fincar tristeza. Essa flor, que desfolha lentamente, até eu me apaixonar desfolha. E sem despeito o menino pega e olha. Ele tem asa, então olha de cima, pra baixo pra mim eu que, desatento espero: sou flechado pelo anjo. Não queria não lembrar dos todos anos que passaram feito década. Foram bons, mas esqueço facilmente dos tempos nos que eu não amava. Prefiro as fantasias do que eu mas podia, que almejar sempre confuso o incansável, inatingível tempo vindouro. Ah, essas lembranças do que acontece agora são fadadas em ouro, brilham luz às borboletas, que me espantam o mau agouro.

A flecha de Patós, com a flor-de-tolos roxa que provoca, em mim traz paixão tremenda que cresce da chama de querer que fere. Ó, belas coisas torpes que de torpes têm beleza, trazei de novo a mim o que queria, faz do olhar cansado, o meu primeiro. 

Sou quieto aqui e antes que eu possa, joga a flecha em mim o anjo descompromissado, sou de novo envenenado e meu coração periga de amar.

Uso o escudo, um desses simbólicos, que me queria são. As flechas novas eu aparo. E de um pouco mais de amor meu coração reparo. Arranco algumas que impedi e as envio de volta, e assim do anjo a minha vingança merecida eu merendo. Enlaça-as juntas antes de atingi-lo, o anjo, como se já antes as vendo, presumisse que o fossem ferir, e por sua vez me as joga de volta. Agora troco eu de sentimento, passo a sentir sofrimento em vez de amor.

No jardim que eu mesmo invento há sete rosas. São essas mesmo as sete que à cada cor do arco-celeste remete o tom. Mas no inverno, quando obrigam-se de entreter Perséfone, as flores se vão, sobram só minhas sete rosas, pois existem sem paixão. E já que não sofrem, não amam e por isso mesmo não existem, lembram-me as rosas de amar, como exemplo de nunca contentar. Pego na minha mão uma rosa, colho-a com paciência e carinho, completo uma fase a cada uma, vou de vermelho a dourado, e de botão à rosa branca, em suma. 

Flor dourada que me desfolha, dói em mim uma paixão, eu acho que é por causa de ti, minha pista é que és invenção. Isso já me diz tanta coisa, creio que por nada eu amo, só vou-me freqüentar a tristeza, pois lá nada se vê, e preciso descansar meus olhos. Mas já volto, amor, pois se descanso, estou pronto pra outra rodada, dessa vez que me venha o amor logo. 

Pássaro de raio sobrevoa o mar anil que volve em ondas, rouba-me do meu sonho fantástico e me leva mais longe. Passemos pelos navios náufragos, quebradiços no mar que os flutua. Ilude minha memória, faz pensar que sou antigo e que existo há muito tempo. E todo esse tempo eu passei nas tuas costas, releva minha língua, diz que eu falo outra. Cantemos nessa língua, que tem palavras doces e escorrem da boca como se fossem os lilases desejos de se expressar. Esqueço dos pensamentos de muitas matizes que me inspirou o arco-iridescente, passamos de lá, eu e o pássaro, e chegamos na ilha dos sedosos brancos lírios. Lá, eu me lembro, me pousou no dorso do grifo, que me levou em sua velocidade leonina, durante toda sua ascendência aquilina de ave impetuosa de rapina até a cidade abandonada ao ocaso laranja e dourado pra viciar-se em acasos gris. 

Agora é finda, é passado o reino da flor de desfolhar tristeza, eu mais não amo. É bom o ânimo de achar que é infindável a dor, mas refresca-se mais a alegria, se desistimos de querer sofrer amor. Goza o amor, uma vez que me disse o pássaro, que me levou ao grifo dúbio; não sabia se me deixava no jardim sereno, onde rodopiam pra sempre as pétalas turquesa-azuis. Não queria afastar-me do pomar de frutas dos trópicos, cheirosas, tenras e venenosas, come uma, contou-me a águia, minha guia, que tu morres por amor, e troca tua vida por não morrer em luta. 

Isso me faz querer vontade de amar. Isso me lembra o cisne que olhou no lago o reflexo, lá na outra borda, dos lilases e sorriu. Ele pensou, que feliz esse encontro, de olho, luz e lilás. Que acaso feliz dos mais esperados.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Vento

Olha a brasa do carvão como é laranja.
Olha a Lua como está em brasa.
Olha o vento como leva as flores
E o cheiro de narciso frio
Que o vento traz do lago prata.
Olha o uivo do lobo que o vento chora.
Olha como o vento passa
Levando água e maré.
Olha que esta história não desdiz o vento
Só diz como é o vento e como a história é.


Mas olha que audácia do vento
De me passar e não me perceber assim
Nossa, vento, que desatento,
Nem notou que eu nada mudei em mim
Pra mim, é desinteresse do vento
Do mesmo jeito que me deixou antes
É o jeito que me encontra a esta hora
Olha só o que faz o vento agora:

Uma vez eu joguei uma flecha no vento
Mas não uma qualquer, uma de Eros.
E atirei-a ao coração do meu querido,
Não deu outro resultado,
Fui mal-sucedido em fazer-me amado,
E assim enfadado, disseram-me:
Devia ter pegado a flecha de Anteros,
Pois ele é o deus do amor correspondido.


Eu atirei uma flecha, eu fiz minha parte
E o que fez o vento, além de voltá-la a mim?
Eu mesmo diria que é desacato, destarte
Mas deve mesmo ser preferência do vento,
Pois ele carrega toda noite o cheiro do jasmim!


Eu não sei o que é então, desacato ou desatenção.
Se não fosse pelo vento debochado,
Talvez eu não estivesse aqui, chorando.
Com o vento, e a Lua, e o lobo, e o lago prata;
Mas a dama-da-noite, florando, cordata,
Veio juntar-se ao meu pranto
Pra consolar-me do meu triste fado
E esquecer-me o desamor do meu amado.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Doce sinal: um conto pequeno


São azuis os olhos dele, tenho certeza. Eu sonhava com ele e os via azuis, descobri depois que eram na verdade verdes, mas o que conta é a intenção. O nome nunca importava, era como se já soubesse e de tanta intimidade não me viesse à cabeça por ser tão óbvio. Eu o imaginava de todos os jeitos: olhando pra mim, pensando em mim no caminho de volta pra casa, ocupado com alguma coisa, pensativo. Aconteceu que quando o encontrei sem ser em sonhos ele era um tantinho menos pensativo que o que eu fantasiava, mas tanto melhor, eu pensei: pelo menos real. Ele primeiramente ficou um pouco encabulado de ter que pensar num lugar pro encontro, apesar de ter me chamado. Tive ideias mais legais do que ele e acabou que foi num parque de diversões da cidade. As luzes piscantes dos brinquedos, que até à noite eram coloridíssimos; as barracas listradas de branco e vermelho; os carrinhos aparentemente antigos (vintage, talvez?) de pipoca e algodão doce cor-de-rosa; a montanha-russa de vagões de quatro lugares e a roda gigante toda contornada por lâmpadas que apagavam-se acendiam-se de novo coordenadamente foram as coisas que me chamaram primeiro os olhos, elas enchiam minhas expectativas de esperança e minha cabeça de antecipação das futuras lembranças que teria quando fôssemos casados. Imaginava-me contando aos nossos netos que "naquela época", ninguém mais ia a encontros, que dirá em parques de diversões. Que dirá dois homens. E, sim, vovô e vovô eram legais desse tanto.

Podíamos ter marcado qualquer outro dia, mas fomos naquele mesmo: chovia de leve, a lua não aparecia, todas as vias congestionaram logo depois de eu chegar lá, o que significava que eu ia esperar. Devia ter tomado aquilo tudo como um grande sinal e voltado pra casa, eu pensei, mas deixei pra lá, já que não acreditava em sinais, a não ser que eles viessem em sonhos. Eu cheguei dez minutos adiantado, então esperei quarenta minutos. Sentei na mesa sozinho, o que eu odeio por que começo a imaginar, paranoico, que as pessoas estão morrendo de pena de mim. Pedi duas cervejas pra mostrar pra todos que esperava alguém e tive que tomar as duas, o que acabou por chamar mais atenção ainda. Enquanto ele não chegava eu me ocupava em imaginar quinhentas situaçõe que explicassem o atraso, ignorando que o trânsito era a causa mais provável, todas relacionadas a desistência. Pra me distrair, comecei a olhar para os carrinhos de algodão doce. Fiquei pensando no porquê de serem cor-de-rosa, por que especificamente rosa. Entre tantas cores. Além disso, por que exatamente as pessoas comiam aquele negócio? É puro açucar, uns dois daquilo e você está 10 pontos mais perto da diabetes adquirida. Não. Vou. Comer. Aquele. Trem.

Passeando meus olhos pelo parque, tirei-os do carrinho de algodão-doce, que me irritou por ser tão calórico, e vi a placa sinalizando PARE aos carros que saíam do estacionamento. Ela refletia as luzes dos faróis e às vezes mudava um pouco de cor: comecei a questionar sua utilidade no mundo, mas essa foi fácil. Olhei depois para os pôneis belíssimos em poses estáticas no carrossel e imaginei-os julgando as crianças que fingiam os cavalgar, mas também desisti dessa linha de pensamento por que pôneis com certeza não julgam, eles são bons demais, que nem os unicórnios. Quem pensava num design tão intricado para um simples carrossel, pensei depois, tantas florezinhas de madeira pintada, com fitas aéreas em volta, fru-frus e cores vibrantes e cores pastéis. Um equilíbrio perfeito entre kitsch e clássico. Os espelhos eram um toque sofisticado. Os animais congelados em trote tinham tranças nas crinas e olhos tristes e todos dançavam uma dança equina que era, na verdade, um eterno rodopio. A máquina era engenhada de modo que parecesse uma caixinha de música, eu presumi. Ao mesmo tempo, seu toldo circense iluminado, em formato de cone largo, fazia suas listras vermelhas e amarelas encontrarem-se no topo num cristal losangular que acendia e apagava lentamente, a cada rotação.

Ele chegou depois de eu ter me questionado a respeito de mais dois outros brinquedos depois do carrossel. Desculpa, desculpa, ele pediu. Disse que teria ligado, mas quando pegou o papelzinho com meu número escrito, enquanto dirigia, a janela o levou pro vento. Eu custei um pouquinho a acreditar, mas tudo bem, o vento levou. Pelo menos ele não disse que a iguana dele comeu. Então, eu perguntei, você ainda quer ficar aqui no parque? Podemos ir a outro lugar blá blá. Ele respondeu que queria sim, com um sorriso filho da puta de lindo, e me indicou que eu me levantasse e o acompanhasse. Eu assim o fiz e, depois de pagar pelas cervejas, fomos andando pelo parque, eu o seguindo do lado dele, até pararmos no carrinho de algodão-doce. Ele cumprimentou o vendedor com o sinal de paz e amor, ou indicou o número dois com os dedos, não sei, e olhou pra mim perguntando se eu queria. Eu disse que sim, queria. Dane-se o algodão-doce, o cara vai pagar, ele precisa pagar, ele precisa cuidar de mim e eu vou deixar por que ele é lindo, pensei, ele é um homem.

Ele pegou o primeiro que o moço do algodão deu pra ele e entregou nas minhas mãos, olhou no meu olho e me perguntou se eu sabia que o algodão-doce tinha baixo teor de açucar. Eu perguntei como assim e ele respondeu que, em média, precisa-se só de uma colher de chá pra fazer um. Ele pegou o outro e disse que algodão-doce era o doce preferido dele, como eu acertei no lugar, e era por isso que ele pulou na ideia de vir a um parque de diversões. Eu disse a mim mesmo, tá bem, às vezes um sinal é realmente um sinal.

domingo, 20 de março de 2011

Volta

Dos olhos dele se diz que são azuis, eu prefiro pensá-los violeta, pois é a cor que tomam nos meus sonhos. Das mãos pálidas, se diz que são pesadas; eu as imagino cálidas e espero que sejam afáveis. Antes eu soubesse ao certo que som têm as falas que dele. Fosse a voz dele tenor, talvez fossem musicais. Se me falasse algum dia, provável que pra perguntar-me as horas, eu divagaria em ilusões e nunca lhe responderia as horas.

Nos sonhos ele me aparece sempre, às vezes de olhos cor de jacintos ou de misótis. Eu espero que seu perfume seja doce, doce como todo um jardim: um que tenha flores vibrantes, de aspecto calmo e de cores brilhantes. Que resplandeça entre o verde da relva, o azul do céu e o fulgor amarelo do sol. Fosse ele amável, de toque gentil e olhos da cor que quisesse, contanto que eles olhassem pra mim. Penso que filosofia é o que mantem vivas as rosas entremeadas ao meu portão de ferro que parece renda, lá fora. É claro que sem as palavras para nomeá-las e elogiá-las, as rosas acabariam enfraquecendo-se e por fim murchariam, caindo mortas ao chão. Não fosse pelos adjetivos que as deleitam e aos filósofos que as admiram, com certeza não existiriam essas célebres flores; fazer um jardim requer trabalho e dedicação, cuidar de rosas então, é mais custoso ainda. Pergunto-me se haveriam rosas escalando meu portão de ferro branco, coroadas de orvalho e frescas pelo viço do sol e da chuva se não houvessem filósofos para filosofá-las. Acho que o quero dizer é: assim como para as rosas existem os filósofos, para ele eu existo, ou assim eu gosto de pensar. 

Dá uma provável causa para a minha existência por vezes incerta. É só pensamento desejoso, no fundo eu sei. Mas é que preciso de alguma responsabilidade, alguma participação qualquer que seja. Por que a verdade é que se eu não o amasse, ou sobre ele escrevesse, pensasse e dele falasse, ele continuaria a viver sem saber que eu vivo também. Ou melhor, continuaria do mesmo jeito que era antes, e eu ficava com todo o peso da mudança. É porque nós humanos insistimos em gostar de quem não nos quer tão bem quanto os queremos. Clássico caso de amor não-correspondido. Eu tenho certeza que se traçasse todo um plano, conseguiria que ele me notasse, mas no fundo, no fundo, é quase como se gostasse das coisas como estão. Sofrer não é tão bom assim, eu sei, mas então como se explica o por quê de eu tanto gostar?