segunda-feira, 21 de março de 2011

Doce sinal: um conto pequeno


São azuis os olhos dele, tenho certeza. Eu sonhava com ele e os via azuis, descobri depois que eram na verdade verdes, mas o que conta é a intenção. O nome nunca importava, era como se já soubesse e de tanta intimidade não me viesse à cabeça por ser tão óbvio. Eu o imaginava de todos os jeitos: olhando pra mim, pensando em mim no caminho de volta pra casa, ocupado com alguma coisa, pensativo. Aconteceu que quando o encontrei sem ser em sonhos ele era um tantinho menos pensativo que o que eu fantasiava, mas tanto melhor, eu pensei: pelo menos real. Ele primeiramente ficou um pouco encabulado de ter que pensar num lugar pro encontro, apesar de ter me chamado. Tive ideias mais legais do que ele e acabou que foi num parque de diversões da cidade. As luzes piscantes dos brinquedos, que até à noite eram coloridíssimos; as barracas listradas de branco e vermelho; os carrinhos aparentemente antigos (vintage, talvez?) de pipoca e algodão doce cor-de-rosa; a montanha-russa de vagões de quatro lugares e a roda gigante toda contornada por lâmpadas que apagavam-se acendiam-se de novo coordenadamente foram as coisas que me chamaram primeiro os olhos, elas enchiam minhas expectativas de esperança e minha cabeça de antecipação das futuras lembranças que teria quando fôssemos casados. Imaginava-me contando aos nossos netos que "naquela época", ninguém mais ia a encontros, que dirá em parques de diversões. Que dirá dois homens. E, sim, vovô e vovô eram legais desse tanto.

Podíamos ter marcado qualquer outro dia, mas fomos naquele mesmo: chovia de leve, a lua não aparecia, todas as vias congestionaram logo depois de eu chegar lá, o que significava que eu ia esperar. Devia ter tomado aquilo tudo como um grande sinal e voltado pra casa, eu pensei, mas deixei pra lá, já que não acreditava em sinais, a não ser que eles viessem em sonhos. Eu cheguei dez minutos adiantado, então esperei quarenta minutos. Sentei na mesa sozinho, o que eu odeio por que começo a imaginar, paranoico, que as pessoas estão morrendo de pena de mim. Pedi duas cervejas pra mostrar pra todos que esperava alguém e tive que tomar as duas, o que acabou por chamar mais atenção ainda. Enquanto ele não chegava eu me ocupava em imaginar quinhentas situaçõe que explicassem o atraso, ignorando que o trânsito era a causa mais provável, todas relacionadas a desistência. Pra me distrair, comecei a olhar para os carrinhos de algodão doce. Fiquei pensando no porquê de serem cor-de-rosa, por que especificamente rosa. Entre tantas cores. Além disso, por que exatamente as pessoas comiam aquele negócio? É puro açucar, uns dois daquilo e você está 10 pontos mais perto da diabetes adquirida. Não. Vou. Comer. Aquele. Trem.

Passeando meus olhos pelo parque, tirei-os do carrinho de algodão-doce, que me irritou por ser tão calórico, e vi a placa sinalizando PARE aos carros que saíam do estacionamento. Ela refletia as luzes dos faróis e às vezes mudava um pouco de cor: comecei a questionar sua utilidade no mundo, mas essa foi fácil. Olhei depois para os pôneis belíssimos em poses estáticas no carrossel e imaginei-os julgando as crianças que fingiam os cavalgar, mas também desisti dessa linha de pensamento por que pôneis com certeza não julgam, eles são bons demais, que nem os unicórnios. Quem pensava num design tão intricado para um simples carrossel, pensei depois, tantas florezinhas de madeira pintada, com fitas aéreas em volta, fru-frus e cores vibrantes e cores pastéis. Um equilíbrio perfeito entre kitsch e clássico. Os espelhos eram um toque sofisticado. Os animais congelados em trote tinham tranças nas crinas e olhos tristes e todos dançavam uma dança equina que era, na verdade, um eterno rodopio. A máquina era engenhada de modo que parecesse uma caixinha de música, eu presumi. Ao mesmo tempo, seu toldo circense iluminado, em formato de cone largo, fazia suas listras vermelhas e amarelas encontrarem-se no topo num cristal losangular que acendia e apagava lentamente, a cada rotação.

Ele chegou depois de eu ter me questionado a respeito de mais dois outros brinquedos depois do carrossel. Desculpa, desculpa, ele pediu. Disse que teria ligado, mas quando pegou o papelzinho com meu número escrito, enquanto dirigia, a janela o levou pro vento. Eu custei um pouquinho a acreditar, mas tudo bem, o vento levou. Pelo menos ele não disse que a iguana dele comeu. Então, eu perguntei, você ainda quer ficar aqui no parque? Podemos ir a outro lugar blá blá. Ele respondeu que queria sim, com um sorriso filho da puta de lindo, e me indicou que eu me levantasse e o acompanhasse. Eu assim o fiz e, depois de pagar pelas cervejas, fomos andando pelo parque, eu o seguindo do lado dele, até pararmos no carrinho de algodão-doce. Ele cumprimentou o vendedor com o sinal de paz e amor, ou indicou o número dois com os dedos, não sei, e olhou pra mim perguntando se eu queria. Eu disse que sim, queria. Dane-se o algodão-doce, o cara vai pagar, ele precisa pagar, ele precisa cuidar de mim e eu vou deixar por que ele é lindo, pensei, ele é um homem.

Ele pegou o primeiro que o moço do algodão deu pra ele e entregou nas minhas mãos, olhou no meu olho e me perguntou se eu sabia que o algodão-doce tinha baixo teor de açucar. Eu perguntei como assim e ele respondeu que, em média, precisa-se só de uma colher de chá pra fazer um. Ele pegou o outro e disse que algodão-doce era o doce preferido dele, como eu acertei no lugar, e era por isso que ele pulou na ideia de vir a um parque de diversões. Eu disse a mim mesmo, tá bem, às vezes um sinal é realmente um sinal.

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